segunda-feira, 17 de outubro de 2011

JDR

J. tocou o interfone do apartamento de R. Era o início de uma chuvosa noite de Sexta-Feira, e o céu contava com tonalidades alaranjadas, apesar da escuridão. J. não usava sombrinha e nem capa-de-chuva. Naquele momento de sua vida, tomar chuva era uma das poucas coisas que ela fazia com segurança, sem qualquer dúvida ou receio. Não importava em se molhar; sua preocupação com a aparência já havia desaparecido há muito tempo. 

"Gosto de andar na chuva, porque assim, ninguém sabe que estou chorando."

- Quem é? - a voz grave de R. ecoou pelo interfone.
- Sou eu - J. respondeu com firmeza.
R. abriu o portão.

As escadas do antigo prédio onde R. morava eram imundas, cobertas por desenhos amarronzados e poeira. J. gostava desses desenhos; achava-os um tanto abstratos e psicodélicos, exatamente da forma que se sentia: Abstrata, partida e sem muita vida. 

R. Abriu a porta. D. estava ao lado dele. Tivera a impressa de que D. crescera alguns centímetros naquele ano, uma vez que estava quase da altura de R. Os cristalinos olhos azuis de R. encararam J. com uma firmeza pouco vista, naqueles tempos onde o vazio o envolvia:

- Você está encharcada.
- Eu sei. - J. respondeu sem dar a mínima.

D., por sua vez, entrou casa a fora e trouxe uma toalha para a amiga. J. agradeceu:

- Que solícito!

D. contestou:

- Agora é você quem me ironiza? Invertemos os papeis?

J. fez uma cara de falso desdém e esboçou um projeto de sorriso. No fundo sabia que aqueles dois rapazes, R. e D., eram as únicas pessoas com quem ela podia contar. Em tempos de tanta tormenta interior, eram eles que estavam ali, compartilhando com ela as turbulências de sua tão curta vida.

J. tinha 17 anos, e por ironia, era a mais velha dos três. Um dia, J. fora cheia de vida e tivera vontade de pular e abraçar o mundo. Seu salto foi tão alto que a queda a destruiu.

R. era alguns meses mais novo que J., mas já tivera mais experiências na vida do que ela. Era um jovem vivido, amargo e sem quaisquer perspectivas. J. era a única pessoa que R. tinha a capacidade de amar verdadeiramente.

D. contava com uma inteligência excepcional, mas também estava perdido. +Problemas que envolviam sua família fizeram-no encontrar um mundo que ele mesmo não gostaria de conhecer, mas que naquele momento, não conseguia mais sair.

-

A varanda do apartamento de R. mais parecia um telhado. Era maltratada, antiga, não muito espaçosa e havia vasos de plantas vazios e pedaços de lajes velhas espalhados por ela, mas era o único lugar da casa onde era possível ver o céu em sua plenitude. Era por isso que J.,D. e R. gostavam de passar horas ali, conversando e observando o céu. Naquela noite o céu não estava estrelado, e os três amigos sequer puderam ficar na varanda; chovia demais.

- Vamos para o meu quarto. - disse R.

O quarto de R. tinha as paredes amareladas e sujas. A luz era fraca e havia muitas figuras pregadas nas paredes. Frank Zappa, Robert Johnsson, Jim Morrison... A maioria dos ídolos de R. já estavam mortos.

Enquanto R. vasculhava o próprio guarda roupa (extremamente bagunçado e caótico) J. procurou o chão para se sentar, encostando as costas na parede e levando os joelhos ao peito. D. sentou-se ao lado dela. Ela pode observar que os aveludados olhos amarelos de D. não eram os mesmos que ela conhecera tempos atrás. Eram olhos vazios, perdidos, tristes. J. se perguntou, mentalmente, se seus olhos também teriam perdido o brilho que um dia possuíram. Sim, provavelmente teriam.

D. manteve os olhos fixos em J. Ambos trocavam olhares tristes, sem palavras, sem expressões, apenas tristeza. D. segurou, suavemente a mão de J. e acariciou-a com leveza. J. achava as mãos de D. as mais bonitas que ela conhecia. Gostava dos dedos dele, do contorno, do tamanho médio da mão e até a sujeirinha no contorno das unhas lhe agradava. J. apertou a mão de D. e levou para ela. Eles eram cúmplices, e ela sabia disso.

R. achou o que tanto procurava: seu violão desafinado. Sentou-se na cama e começou a tocar canções tristes, desafinadas. Tocou Disarm do Smashing Pumpkins, You Know You're Right do Nirvana e, finalmente, Hurt, Nine Inch Nails (que os três preferiam na versão de Johnny Cash). Em um momento, R. parou de tocar e tirou os óculos.

- Está foda. - disse ele.
- Está foda pra todo mundo. - D. complementou.

J. olhou para o teto, suspirou e disse:

- Hoje eu quero apagar.

Os três se entreolharam. Essa era a vontade dos três: apagar. Nunca mais respirar o ar daquele mundo poluído e detriorado em que viviam.

R. saiu do quarto. Voltou com duas caixas de comprimidos. Vários deles, de várias cores e vários tamanhos. Vários frascos, vários nomes... Rivotril, Bromazepan, Lexotan e outros. Não foi preciso que os três jovens se entreolhassem.

O dia seguinte não amanheceu para JDR.

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