terça-feira, 30 de agosto de 2011

Dessa vez não, por favor.

Há três anos eu entro ali, naquela sala de Análise, às Terças-Feira. Há quem se sinta livre o suficiente para chorar durante as sessões. Eu não. Não que eu não me sinta livre ou que não confie o suficiente no Dr. Meu Terapeuta, mas nunca havia sentido vontade de chorar, e nunca chorei. Nunca havia sentido vontade de chorar. Hoje, três anos depois da minha primeira sessão, tive vontade de chorar, mas fiquei engasgada. Acho que o Dr. Meu Terapeuta não percebeu, afinal, sempre fui excelente em engolir o choro na frente das pessoas. Hoje, dia 30 de Agosto de 2011, alternando o olhar entre os olhos castanhos do Dr.Meu Terapeuta e a parede de quadrados de vidro, foi a primeira vez que eu quis desabar em uma montanha de lágrimas naquele consultório.

Quando nos disponibilizamos a fazer qualquer tipo de tratamento psicológico, seja Análise ou qualquer outro, tendemos a tocar em assuntos delicados, por mais que hesitemos. Sentada na poltrona, olhando ou desviando o olhar dos olhos castanhos do Dr.Meu Terapeuta, tratei, durante todo esse tempo, de assuntos extremamente complexos para mim; aqueles com os quais tenho dificuldade de lidar ou de falar para outras pessoas. Aqueles com os quais eu tenho dificuldade de assumir para mim mesma. Sempre contei daquelas memórias grotescas, que me remetem à memórias ainda mais horrorosas, talvez, indizíveis. Essas, eu nunca citei para o Dr.Meu Terapeuta, e nunca citarei para ninguém. São meu lixo escondido, onde só eu posso tocar (ainda assim, quando estiver a fim de machucar as mãos ;} ).

Hoje, como em muitas vezes, voltei ao meu passado. Meu TÃO brilhante (ironicamente dizendo, diga-se de passagem) passado, que faz questão de me puxar pelos cabelos todas as vezes que eu sinto estar desempenhando uma melhor função de ser humano. 

Uma criança brilhante, com o Q.I acima da média, com extrema facilidade em idiomas e artes, se tornou uma adolescente catastrófica, terrível, sem nenhum dom ou graça. Esse processo não aconteceu de uma hora para a outra, foi gradativo. Tenho a impressão de que a cada ano que se passava, e quanto mais próxima à adolescência eu chegava, minha inteligência e/ou graça diminuíam um pouco mais. "O que aconteceu com aquela menininha brilhante, que era ótima em Matemática e em Língua Portuguesa?" Quantas mil vezes ouvi essa pergunta, com diferentes entonações? Era claro para mim que, perante o olhar de pessoas das quais eu NECESSITAVA da aprovação, eu decaía. Decaía cada vez mais.

Chegou um momento que eu decaí por completo. Dons não existiam mais. E aquelas pessoas... Aquelas pessoas não se incomodaram em criar um enorme trauma em uma garotinha de 13 anos de idade. E isso sucedeu. 13, 14, 15, 16, 17 anos... Quantas vezes ouvi (de formas diretas e indiretas) que eu não era capaz? Que eu era pior? Quantas vezes senti a indiferença escorrer pelos lábios ou olhos daqueles adultos que deveriam me orientar na escola, e não fingir que eu não existia?

Assumi para mim mesma esse papel de nada, de lixo. Aprendi a perder. Eu me sentia como um coelho indefeso, que pulava de pedra em pedra para tentar sobreviver à correnteza que corria em baixo de mim. Eu olhava para cima, mas não conseguia enxergar o céu.

O que aconteceu com a menina inteligente, artista, desenvolta, que iria mudar o mundo quando criança? Eu não sei. Ela se perdeu no meio de tantos adultos maldosos, sem a menor destreza para lidar com um ser humano que passa por uma das mais difíceis transições da vida. Ela teve as asinhas cortadas, e apesar de tentar aprender a voar novamente, sente medo, sente que vai cair. Cair e se machucar. Tentar de novo. Cair de novo e se machucar de novo. Parece um ciclo vicioso.

Eu só não quero ser a pior outra vez. Dessa vez não, por favor.

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