Era uma tarde monótona e cinzenta de Domingo, daquelas capazes de incentivar qualquer suicida a pular da janela mais próxima. Aquele bairro já era vazio por si só e aquele dia parecia o cenário esquecido de uma cidade de interior. Era tudo sem cor, sem brilho, sem movimento, sem barulho. Não havia quase ninguém na rua, com exceção de dois jovenzinhos sentados no meio-fio. De certa forma, aqueles dois semblantes extremamente jovens conseguiam quebrar um pouco do cinza engolidor daquela tarde.
Eram uma menina e um menino. Tinham, aproximadamente, 17 anos.
A menina tinha cabelos escuros, presos em duas longas tranças que caíam-lhe pelos ombros. Seu rosto claro era coberto por sardas ainda mais claras. Seu olhar ainda era de bebê, tão grande era sua juventude. Vários braceletes e pulseiras coloridas e desuniformes subiam-lhe os pulsos, enquanto ela segurava a ponta do tênis all-star amarelo. Aquela menina era um banho de tinta guache para aquele bairro tão morto.
O menino tinha os cabelos claros, lisos e um pouco compridos. A franja caía-lhe sobre o rosto, tampando parte dos olhos escuros e da sombrancelha bem marcada. Sua pele não era tão clara quanto a da menina, mas ainda assim, era clara. Usava um sobretudo preto, e parecia um personagem recém saído de um livro de Oscar Wilde. Ele transbordava viva, transbordava energia.
Estavam sentados no meio-fio, o menino e a menina, um ao lado do outro. Ela à direita e ele à esquerda. Estavam bem próximos, mas não se tocavam. Ele encarava os olhos dela de maneira profunda, devastadora.
- Gosto dos seus olhos - ela disse para ele.
- Gosta por quê? Não vejo nada demais nele, são escuros e normais. - ele respondeu.
- Olhos não precisam ser azuis para serem bonitos. Gosto dos seus olhos porque eles parecem sempre querer dizer alguma coisa proibida, alguma coisa que não podem dizer.
- Como o quê?
A menina corou, e não respondeu. Continuou mexendo no tênis amarelo.
- Não gosto dessa cidade. - disse o garoto.
- Por quê? - ela começava a voltar à sua cor natural.
- Não sei. Quero ir embora para algum lugar melhor, mais bonito, mais vivo.
- Como onde?
- Não sei. Talvez Berlin. Ou Londres.
- Sempre sonhei morar em Londres. - Ela sorria, e seu sorriso era verdadeiro.
Ele, então, segurou a mão dela:
- Você pretende prestar vestibular para Jornalismo, não é? - ele acariciava a mão dela.
- Prentendo.
- Mas é esse o seu sonho?
- Não, nunca foi. Sempre quis ir embora, sempre quis viver de verdade, e de preferência ao seu lado.
Ele sorriu. Naquele momento, naquele dia, naquela tarde cinza, aquele sorriso era sincero. Pelo menos ali, naquela hora.
- Nós vamos embora. Vamos morar juntos na Europa. E vamos ficar juntos para sempre.
- Mas como é que vamos viver? - Ela acreditava no que ele dizia e sorria. Seu riso era sincero, espontâneo.
- Não me importa, desde que eu esteja ao seu lado. Levo meu violão e toco nos metrôs para conseguir algum dinheiro, pelo menos no início.
- Eu canto bem, posso cantar! Formamos uma dupla!
- Então faremos uma bela dupla!
- Promete que vamos? - Ela suplicava com o olhar.
Ele segurou o rosto dela com as duas mãos:
- Confia em mim?
Ela concordou com a cabeça e sorriu. Seria capaz de confiar a própria vida a ele.
Estavam decididos que iriam juntos para a Europa, e nada mais os importaria.
A verdade é que nunca foram para a Europa, e nunca ficaram juntos. Pouco tempo depois, nunca mais se viram. 15 anos se passaram e a menina, agora mulher, sentou-se naquele mesmo lugar e deixou uma lágrima cair. Palavras nunca são inocentes. Elas primeiro iludem, depois cortam, ferem, fazem doer e enfim cicatizam. Mas a cicatriz daquela menina-mulher sempre estará ali. Basta ela ela olhar e se lembrar.
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